segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Túnel da Morte (2003)

(A princípio eu só ia dizer ''o único filme da Doona Bae disponível em VHS no Brasil'', mas daí fui fazendo observação atrás de observação, e quando fui ver… Sei lá, acho que é mais fácil comentar filmes ''nada demais'', já que aí não rola uma forte auto-cobrança de fazer algo realmente sério.)



''As duas coisas que eu mais odeio são dinheiro e ser chamada de vadia estúpida. Quer morrer?''

Túnel da Morte (Tube, 2003), o único trabalho do diretor Woon-Hak Baek, tem como seu maior atrativo internacional o fato de ser estrelado pelo símbolo sexual Doona Bae. O filme que (até onde sei) é o único dela lançado em VHS no Brasil (lançamento simultâneo em VHS e DVD pela Alpha em 2003), não está entre os mais famosos trabalhos da celebrada atriz sul-coreana (de Ring Virus, Mr. Vingança, The Doomsday Book e vários outros, além do seriado Sense 8), que tem a curiosidade de circular entre os cinemas local, japonês (o seu melhor filme, o sensacional Linda Linda Linda, foi filmado em território nipônico – onde ela também atuou no poético e melancólico Air Doll, interpretando uma boneca inflável que ganha vida; pode soar cômico, mas definitivamente não é: o filme de Hirokazu Kore-Eda é extremamente triste, e com tendências suicidas) e Hollywoodiano – onde ela fez A Viagem, dirigido por maninho e maninha Wachowsky (sim, eles mesmo: os picaretas responsáveis pela superestimada trilogia Matrix).

Entrando de gaiato na história, a personagem dela,
Kay (''Jay e Kay, que bonitinho!''), pelo seu charme, estilo e situações, remete imediatamente à Lady Pickpocket do filme homônimo de Yasuzo Masumura. Por ser algo como uma freak delinquente vivendo à margem da sociedade, pode ser dito que também lembra sua outsider de Mr. Vingança, que a atriz havia acabado de interpretar.

Túnel da Morte situa sua ação frenética e movida por adrenalina – típica dos filmes do gênero feitos na Coréia do Sul, principalmente nesse período pós-Shiri: Missão Terrorista (sucesso estrondoso curiosamente estrelado por outra coreana conhecida no Ocidente: Yunjin Kim, a Sun daquela xaropice chamada Lost) – em uma estação de metrô. Isso mesmo, pertence aquele subgênero dos ''filmes de metrô/trem''.


''O meu único compromisso é te cobrir de porrada.''

Dentro dessa linha da aventura nos trilhos, acontece uma trama de vingança comum na Coréia (mas NÃO é um ''filme de vingança'' estilo Trilogia da Vingança, Eu Vi o Diabo e similares; é outra pegada, mais convencional e menos psicótica), ou seja, de dois protagonistas algo fucking assholes (um ''do bem'', outro ''do mal'') que se odeiam até a morte (o motivo é mostrado na abertura), e farão de tudo para acabar um com o outro. Algo assim meio Viver e Morrer em Los Angeles, onde a retribuição, a postura máscula e as ambiguidades tomam conta de tudo, e fica difícil separar ''mocinho'' de ''bandido''. Podem reparar que o protagonista Jay – um fumante compulsivo que nunca fuma – é puro ''MAMÃE, QUERO SER RICHARD CHANCE'': mas não esperem o conteúdo artístico e misterioso do melhor momento de William Friedkin. Aqui é cinema de entretenimento sem nenhuma ambição de profundidade; reservar uma crítica de fundo político – novamente refletindo uma possível influência de blockbusters comercialmente devastadores como Shiri e Zona de Risco – é o mais longe que este Túnel da Morte se desvia do caminho.

(Em sua esclarecedora vinda ao Brasil em 2013, Park Chan-Wook – dos já citados Zona de Risco e Trilogia da Vingança, formada por Mr. Vingança, Oldboy e Lady Vingança – explicou muito bem essa necessidade dos cineastas sul-coreanos de expurgar toda a repressão e traumas da época da Ditadura Militar em seus filmes, mesmo que em pequenos detalhes. Com a deixa, ele se mostrou bastante perturbado quando perguntei a opinião dele sobre o degradante Segurança Nacional: http://www.imdb.com/title/tt2466786/?ref_=fn_al_tt_2)

Túnel da Morte é uma ótima pedida para fãs de ação descompromissada, desenfreada e desgovernada. Preparem-se para cabulosas sequências de perseguições, tiros, pancadaria (com direito a voadora de dois pés, algo sempre ÉPICO de se ver) e diálogos hilários: ''Não está cansado de levar esporro de um velho bosta como eu?'' – não via diálogos tão engraçados desde a notável desgraça Romeu Tem Que Morrer, com o abominável Jet Li pagando de adolescente malandro. Para aumentar o valor cômico, tem ainda um bully idiota (olha o pleonasmo aí) que lembra muito aquele valentão gordinho do Power Rangers.

E, felizmente, aqui os dois sujeitos não possuem aparência nem de emos e nem de integrantes de boy bands, caso de diversos outros filmes comerciais recentes feitos na Ásia.

Apesar de longo (duas horas), é bastante divertido. Mas não espere (muito) além disso.


''A melhor forma de pegar um louco desgraçado é mandando outro louco desgraçado.''

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A Casa dos Mortos-Vivos (1981)



(O primeiro post do meu blog 7 Noites em Claro é uma resenha bastante nua e pessoal sobre um dos melhores filmes daquele que é o diretor mais importante na minha vida: A Casa dos Mortos-Vivos / A Casa do Cemitério, de Lucio Fulci, o cineasta que amaldiçoou a humanidade em cada um de seus filmes, mesmo nos mais incomuns, amenos e "bonzinhos". Eu o agradeço eternamente por isso.)

Adquirida a VHS d'A Casa do Cemitério… DENTRO DO CEMITÉRIO.

Quer algo mais verdadeiramente 3D do que isso?

HAIL FULCI. UM DIA IREI CONSEGUIR TE RESSUSCITAR, E JUNTOS IREMOS DESTRUIR O MUNDO.



"Ninguém nunca saberá ao certo se as crianças são monstros, ou se os monstros são crianças."

Tal frase de Henry James, que aparece ao término do filme, faz todo o sentido. Afinal todos os grandes problemas deste mundo deplorável não estariam mesmo na infantilização de tudo?

Após Pavor na Cidade dos Zumbis (1980) e Terror nas Trevas, AKA A Casa do Além (1981), Lucio Fulci volta a ter Catriona MacColl (Katherine MacColl) como sua protagonista em A Casa dos Mortos-Vivos, AKA A Casa do Cemitério, realizado também em 1981.

Horror Lovecraftiano com toques surrealistas (Fulci nunca devidamente recebeu crédito por seu estilo surrealista…), acaba sendo um dos melhores trabalhos do maestro, novamente nos jogando em um universo caótico de pessimismo (outra marca registrada do diretor) e violência, onde até as crianças e os fantasmas podem morrer de forma horrível, não havendo garantia de segurança para nenhum ser vivo (ou morto). Assim temos uma visão negativa não somente do Trio Inferno na Terra (existência, raça humana, Planeta Terra), como também do pós-vida. Ou seja, o descanso é uma utopia.

Falando em fantasmas, aqui temos uma personagem mais ou menos parecida com a garota cega interpretada por Cinzia Monreale em Terror nas Trevas. Ela acaba se envolvendo com a família de MacColl, que tira o azar grande ao se mudar para "Quella Villa Accanto al Cimitero", e ser ameaçada pelo espírito maligno do Dr. Freudstein (!); ameaça d'O Além que resultará em memoráveis cenas de náusea e gore, cortesia, é claro, do maquiador Giannetto de Rossi.

O cinema de Fulci, principalmente em seus gialli, e, mais ainda, em suas produções genuínas de horror, como esta, se apoia muitas vezes no mais puro sacrifício do roteiro, de parte dos diálogos, e até de certas atuações (canastronas ou propositalmente esquisitas?) em nome de visuais deslumbrantes, atmosferas assombrosas e experiências sensoriais únicas e transcendentais. O mesmo provavelmente poderia ser dito de Mario Bava e principalmente de Dario Argento, mas espera aí: quem são Bava ou Argento quando falamos de Fulci?

Também deve ser notado como A Casa dos Mortos-Vivos marca o auge das experimentações de Fulci na área dos zumbis. Zombie: A Volta dos Mortos / Zumbi 2: A Volta dos Mortos (1979), uma sequência não-oficial de O Despertar dos Mortos, era uma história mais comum de zumbis, com um impressionante embate entre um morto-vivo e um tubarão sendo o seu único real momento de outro mundo. Já Pavor na Cidade dos Zumbis entrou no terreno experimental derrubando a porta, e Terror nas Trevas é absolutamente fenomenal em seu universo de pesadelos dignos do Teatro do Absurdo. Seguindo tal vertente, A Casa... é o mais estranhão dos quatro, onde o onirismo manda e desmanda da forma como bem entender. Tem pelo menos duas cenas com a personagem mais enigmática da trama que remetem ao cinema da Nouvelle Vague, principalmente Jacques Rivette e Alain Resnais. (Fulci faria ainda a bizarrice Conquest, uma aventura surrealista e inclassificável de bárbaros, que encontra uma forma de contar com os adoráveis zumbis carniceiros numa sequência.)

The House by the Cemetery foi lançado duas vezes em VHS no Brasil: pela Dado Group, em 1987/1988, como A Casa dos Mortos-Vivos, e pela Reserva Especial, em 1995/1996, como A Casa do Cemitério. Deverá sair em DVD pela Versátil a qualquer instante. Lá fora está disponível em um ótimo Blu-ray pela Blue Underground.

"A vida é muito mais horrível do que qualquer coisa que eu poderia criar."

- Lucio Fulci