quinta-feira, 5 de maio de 2016

O Último Trem para Veneza

SKINS ON A TRAIN

O seu humilde narrador não é um expert no assunto ''filme de neo-nazista'', mas é difícil imaginar a existência duma produção do gênero que seja mais bizarra do que O Último Trem para Veneza (Night Train to Venice ou Train to Hell, dirigido por Carlo Quinterio, que, além ''disso'', só fez outro filme de ficção, além de um documentário), realizado em 1993 e só lançado dois ou três anos depois - provavelmente como tentativa de faturar uns trocados encima da consagração de seu protagonista. Tentativa não muito acertada, diga-se de passagem, já que a produção recebeu críticas bastante negativas e foi condenada as masmorras do esquecimento. O Último Trem para Veneza não é para poucos: é para pouquíssimos. Se é que é para alguém. Suicídio comercial ''at its best''.

O então desconhecido Hugh Grant (que considera O Último Trem... seu pior filme) aparece aqui - pré-fama e pré-escândalo com travecão - como um jornalista que embarcará numa viagem de trem para Veneza, onde será perseguido por um grupo de skinheads. A bordo tem também, entre outros tipos não-convencionais, um personagem Lynchiano creditado apenas como ''O Estranho'' (interpretado brilhantemente pelo grande Malcolm McDowell). Quem realmente será O Estranho? O líder dos neo-nazistas? Um ser de outro planeta? Ou o próprio Diabo? McDowell tem, em seu currículo, um amontoado de trabalhos estranhos e enigmáticos, como Um Homem de Sorte, Hospital de Malucos, Alguém Está Chamando e Louco, Eu?, mas este filminho obscuro leva o troféu de mais confuso e anormal entre as anomalias freakshow de sua filmografia.

Não espere ver aqui mais uma história linear e realista sobre skins agressores - vertente bastante presente na cinematografia mundial desde os anos 1980, com grandes trabalhos como Made in Britain e A Outra História Americana. (Este último, uma espécie de mescla entre Fuga para Odessa e o próprio Made in Britain.) A proposta d'O Último Trem para Veneza é outra: desde a abertura, já está claro que estamos diante duma obra surrealista com toques de horror, repleta de reações absurdas, hermetismo Godardiano, imagens deslumbrantes e câmera viajante. No meio da insanidade geral, rola até uma empolgante perseguição envolvendo um carro, uma moto e a possível intervenção do sobrenatural.

Nada é muito certo neste O Último Trem, e o tempo todo ficamos com a impressão de presenciar uma série de sonhos e pesadelos coletivos, ou duma viagem de ácido captada em celuloide - ou então de sonhos e pesadelos causados por uma viagem de ácido. Assistir este filme dá a sensação de que se está acompanhando uma sessão de cinema em plena cracolândia, com algum freak local te drogando sem que você perceba.

Sinistro ver Grant, um galã tão associado às comédias românticas, se jogar num projeto tão fora dos padrões. Ele já havia aparecido em outras duas bizarrices (A Maldição da Serpente, 1988, de Ken Russell; Lua de Fel, 1992, de Roman Polanski), mas a comparação não procede; os outros dois filmes são trabalhos refinados de cineastas consagrados mundialmente, e não uma viagem de ácido bastante arriscada realizada por um completo desconhecido.

Se há um real conteúdo por trás de tanta loucura visual, aí fica para o julgamento do espectador. Mas tenha em mente: fãs de cinema convencional devem manter distância extrema d'O Último Trem para Veneza, que só é recomendado aos iniciados em bizarrices terminais - e talvez mesmo este público seleto irá estranhar ou detestar essa viagem. É como ver uns dois ou três filmes diferentes dentro do mesmo, o que é realçado pela ruptura causada pela canção tema, que entra em cena causando uma forte sensação WTF.

Provavelmente um dos filmes mais esquisitões já feitos.



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