terça-feira, 20 de outubro de 2015

Céline & Julie Vão de Barco (1974)



Fantasmas. Gatos misteriosos. Palhaços misteriosos. Drogas e sonhos. Chaos Magik e sigilos de destruição. Ocultismo. Simbolismos macabros. Personagens que trocam de lugar entre si, chegando ao cúmulo de trocar de lugar com o espectador - que entra na trama e passa a ser assombrado também. Mas acima de tudo: magia - dentro e fora da arte cinematográfica.


Nouvelle Vague demais para o cinema de horror, ou horror demais para o cinema da Nouvelle Vague? Revendo o ponto máximo dos ''drug movies'': Céline & Julie Vão de Barco (1974), de Jacques Rivette.


''Aquilo ali é um fio visível ou mensagem subliminar? E aquilo lá, está daquela forma por acaso ou é mais simbolismo? E... aquela cor está mudando ou é impressão minha?


E o que o Rivette quis dizer com isso? Seria uma maneira de falar que as mulheres permanecem crianças a vida inteira? Será uma forma de mandar um grande CALA A BOCA para todos que dizem ver algo de manifestação feminista no filme?''


Pensar que a ideia inicial era somente ver a abertura e avançar no fast forward, pra ver se o (novo) disco (de back-up) estava rodando OK...


Na semana passada, eu e o Bob / Mr. Shakra, que é também um gigantesco fã deste filme, acabamos fazendo uma sessão memorável de C&J (título 100% completo: Scènes de la Vie Parallèle 1: Céline & Julie Vão de Barco - Phantom Ladies Over Paris), possivelmente o mais original, estranho e exigente dos filmes de mansão assombrada (ou ''old dark house''), além de ser descrito por um usuário do IMDB como ''talvez o único filme realmente surreal já feito''. Não sei se concordaria, mas não deixa de ser uma observação bastante interessante: C&J já tinha algo de horror Kubrickiano (apesar de Rivette odiar Kubrick) antes d'O Iluminado, já era Lynchiano antes de Lynch fazer longas, e já mostrava que ''a magia está em todo lugar'' três anos antes de Suspiria. Pode parecer loucura tecer tais comentários, associando o filme (de um dos nomes chave da Nouvelle Vague) ao campo do terror, mas C&J é, na verdade, muito mais amaldiçoado, secreto, indecifrável e perigoso do que cinéfilos e críticos vem apontando desde sua estreia, em 1974. É uma obra que sempre se transforma em algo novo, algo além, em cada revisão. Um ponto verdadeiramente único na história do cinema. Por mais que eu também ame a versão longa de Out 1 (Noli Me Tangere, com 13 (!!!) horas de duração) e Duelle (a década de 1970 foi mesmo o auge artístico do diretor), vou ser bem óbvio quando o assunto é Rivette: C&J é o meu Rivette favorito. E eu sempre irei considerar C&J terror - mesmo que o mundo inteiro me considere insano por isso. (Se for para rotulá-lo cautelosamente, então o chamaria de uma fantasia surrealista inusitadamente 3D - levemente cômica, e com um cenário de horror.)


Em tempo, C7J também já foi chamado de ''a experiência cinematográfica mais essencial da vida''. Assisti-lo pela primeira vez pode causar uma sensação de sonhar acordado das mais únicas; no meu caso, na época, parecia que as coisas ao redor iriam (ou já estavam) voando - ou algo assim. Por mais que tentar comentá-lo seja uma missão fadada ao fracasso, devo admitir que os comentários do IMDB são sim, em seus melhores momentos, bem instigantes. É muito difícil resenhar Rivette, portanto só estou fazendo uns comentários livres sem nenhuma pretensão - e ciente da possibilidade de eventuais delírios em relação a suas liberdades.


Da mesma forma que o brasileiro Prova de Fogo é pró-macumba, C&J pode ser visto como pró-voodoo, pró-álcool/drogas e anti-social. Sua mensagem parece ser a de que a única possível escapatória se encontra no campo da magia - às vezes, da magia negra. Já que o sistema da vida é puro nonsense, por que então não aderir de vez ao absurdo?


C&J se passa num universo onde a vida e a morte não possuem muita diferença; onde o passado, o presente e o futuro andam lado a lado, e tudo parece fazer parte de eternas visitas a um limbo do qual não queremos abandonar - seria ele um precursor acidental d'A Caverna do Dragão e de Lost? A ''história'' foca nas duas personagens do título (amigas? parceiras do meio da mágica? vizinhas? parentes?) e o envolvimento que irá acontecer entre elas e os fantasmas (Barbet Schroeder, Bulle Ogier, Marie-France Pisier) habitantes de uma mansão mal-assombrada, em eternos conflitos de maldições, pesadelos e bizarrices. O primeiro (?) contato entre a sensual Céline (Juliet Berto) e a amalucada Julie (Dominique Labourier) culmina numa perseguição por vielas e afins similar a Harry correndo atrás de sua filha, Cheryl, no começo do primeiro game Silent Hill, feito 25 anos depois - algo assim, como uma variação de Donald Sutherland em Inverno de Sangue em Veneza.


(Aliás, Jeanne Moreau e Anna Karina são o escambau. Para mim, Bulle e Juju Berto são as musas definitivas da Nouvelle Vague.)


As mais de três horas do filme (3 horas e 5 minutos - a cópia integral possui 7/8 minutos a mais) passaram de maneira totalmente despercebida, sendo que, volta e meia, pausávamos para debater alguma coisa relacionada a ele, ou rebobinávamos para (tentar) ver melhor algum detalhe. Outros filmes foram lembrados e brevemente comentados durante a sessão, como a ''trilogia'' Mulholland Drive (A Estrada Perdida, Cidade dos Sonhos, Império dos Sonhos), As Margaridas / As Pequenas Margaridas, Hausu e Para Sempre Lulu (não me perguntem o AKA dele - nunca irei lembrar), além dos 4 filmes diretamente ligados ao universo C&J: Duelle (Uma Quarentena) / Duelo (1976), Noroeste (1976, o único Rivette que não gosto) e A História de Marie & Julien (2003), além do mais que obscuro Sérail (Surreal Estate ou Deception, de 1976).


No fim das contas, parece que quanto mais se debate sobre o filme, menos estamos perto da ''verdade'', da solução deste enigma chamado Céline & Julie Vão de Barco. O que diabos seria essa viagem de ácido em forma de cinema? Como comentei antes, é um filme que está tão ''acima'', tão evoluído em seu maravilhamento e leque de complexidades, que tentar fazer algum tipo de crítica acaba sendo puramente superficial e vazio. Ou então, algo que resultará em cair numas viagens das mais malucas - mas se o propósito dele é mesmo surtar e embarcar em realidades paralelas, então é possível estarmos no caminho certo. O único filme que considero tão contundente quanto ele na área do surrealismo acaba sendo o injustiçado Comando Out / Desvio Mortal / Fúria Terrorista (1982, de Eli Hollander) - bastante Rivettiano também, até no título original (Out).


Pena a Criterion (ou qualquer outro selo com poder para tal) nunca ter se importado em lançar este ou outro Rivette com o tratamento que merece, com o próprio fazendo comentário em áudio, etc. É uma lacuna que incomoda bastante - uma grande injustiça a um cineasta absolutamente genial e obrigatório.

2 comentários:

  1. Filmes com o tema de insurreal ou surrealista é foda as vezes é dificil entender o que o filme quer nos passar com espectadores..por isso temos que pensar muito no filme em si que assistimos ,recentemente assisti " Morgana e as Ninfas -1971 -Bruno Gantillon " é terror/erotico leve ..mas final dele é de pensar ,não sei se voce ja assisti mas fica essa dica,Marcio Mans !

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  2. É uma das graças dos grandes filmes: eles continuarem após o término da sessão. C&J, inclusive, saiu em uma ótima edição por aqui em DVD, pela Platina.

    Morgana e as Ninfas eu vacilei feio de não pegar o DVD da Cult Classic por 15/20 pilas quando tive a chance - ou nem tanto, já que essa empresa não é exatamente sinônimo de qualidade... Parece que ele está fora de catálogo agora.

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